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Ciclismo: o jogo de xadrez em alta velocidade

Muitos atletas meus não entendem porque andam tão bem nos treinos e na hora da corrida às vezes não conseguem nem acompanhar o pelotão. Como profissional de ciclismo, também sou muitas vezes criticado por ser muito agressivo nas corridas e não saber dosar a minha energia.

O problema todo e que o ciclismo não e como o mountain bike nem o triathlon. Não e só pura forca que faz um super atleta subir no pódio, salvo a modalidade de contra-relógio aonde o ciclista corre contra o tempo. O que acontece é que no ciclismo pegar vácuo atrás de outro ciclista pode salvar até 40% de energia, então existe muito jogo de estratégia aonde ciclistas tentam sugar energia dos demais.
Dependendo do relevo e distância das provas de ciclismo, a tática de cada equipe e ou atleta pode ser diferente.

Um circuito de 60KM plano:

Toda equipe de ponta do Brasil e do mundo é bem homogênia em termos das habilidades de seus atletas, ou seja, sempre haverá um sprinter, um passista, um montanheiro e um especialista no contra-relógio. Para um circuito plano e curto as equipes geralmente fazem uma tática de levar a corrida para um sprinter, então a equipe tenta controlar o pelotão (grupo de ciclistas) e não deixa ninguém escapar para que a corrida termine em sprint para que o sprinter da equipe(descansado pois está “de roda” ou no vácuo de outros ciclistas) ganhe a corrida.

A possibilidade de um ciclista passista vencer tal evento é remota, pois se ele atacar estará gastando energia sozinho lá na frente, enquanto que no pelotão talvez uma ou duas equipes têm 10 atletas revezando na frente, então enquanto o atleta escapado esta fazendo um forca absurda para se manter a frente na liderança, os outros atletas revezam, gastando menos energia e acabam buscando o atleta escapado com muita facilidade. Por isso que quando um atleta de ciclismo vence uma corrida em fulga, destacado dos demais, é igual um jogador de futebol fazer um golaço de placa numa final com estádio lotado.

Uma corrida de Etapas como o Tour de France ou a Volta do Rio:

Nesse caso, o ciclista mais completo com a equipe e mais forte é o favorito, o sprinter geralmente pode chegar a perder até 1hr em uma só etapa de subida! As “Voltas” podem durar de 5 a 21 dias direto sem parar. Eu e o Pedro ficamos três semanas viajando e fizemos duas voltas consecutivas em Marco, numa etapa de 180 km cheguei a pedir pra cair um raio na minha cabeça pra parar com tanto sofrimento. Voltei da Volta Internacional de Porto Alegre com menos 3.5kg.

As etapas de montanha e de contra-relógio sempre decidem quem vai ser o vencedor. As táticas das equipes são de sempre proteger o líder ou a pessoa que está mais em forma para vencer tal evento. Já que o contra-relógio é um esforço individual e a montanha fica muito mais difícil de pegar vácuo, pois agora todos estão lutando contra a gravidade, geralmente o mais forte ganha, mas a equipe é fundamental, pois ela é quem controla e protege o líder.

Mas como assim proteger o líder se ele e mais forte?

Outras equipes podem mandar atletas no ataque no início de uma etapa e estes podem abrir muito tempo, então a equipe do líder tem que ir pra frente e tentar trazer de volta este(s) atleta(s) para que estes não ganhem tempo no líder. O líder nesse momento encontra-se atrás de todos da equipe se guardando para o momento crucial da corrida, como por exemplo, uma subida de 17 km. Ganha a volta quem fizer todas as etapas no menor tempo possível então muitas vezes é possível vencer uma volta sem ganhar nenhuma etapa.

Além disso nas voltas existem bonificações intermediárias dentro de uma etapa em tal km da prova e escapar pra ganhar alguns segundos é umas das milhares de estratégias usadas. Todos os ciclistas usam rádio e mantêm contato com o técnico/estrategista de equipe que serve como um cérebro e ajuda a manipular os atletas da melhor maneira possível nas diferentes estratégias. Muitas equipes também vão ter objetivos diferentes, o time do Lance tem um só, objetivo vencer a volta da Franca, mas times menores visam ganhar apenas uma etapa, pois na Europa os empresários são mais inteligentes do que os daqui e sabem que o ciclismo é um esporte com enorme potencial de marketing.

Então eu diria que para esses meus atletas que estão em alta forma, mas não tem resultados satisfatórios, pensem em como estão economizando ou gastando suas energias durante as corridas, pois o ciclismo nem sempre o mais forte ganha, e se você usar a cabeça dificilmente vai sobrar de um pelotão estando em boa forma!

Hugo Pradoneto trabalha para a Carmichael Training Systems, e dono da Overthetop (www.treine.net), ciclista e mountain biker profissional e ex-triatleta.




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