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Entrevista - Jens Voigt fala sobre Sagan, Armstrong e redução nas equipes

No último dia 28, tivemos a oportunidade de bater papo com Jens Voigt, uma das maiores lendas do ciclismo de estrada e responsável pela célebre frase "shut up legs", que basicamente resume a carreira do combativo e carismático atleta, conhecido por figurar momentos brilhantes no pelotão e por encerrar sua carreira com um Record da Hora, conquistado com nada menos do que 43 anos e um dia de vida.

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Nosso encontro com Jens aconteceu na inauguração da Cyclist, a nova Concept Store Trek, localizada no bairro do Panamby, na cidade de São Paulo. Bastante receptivo, o ciclista conversou com jornalistas de diversas mídias sempre de forma muito divertida - um verdadeiro "figurinha carimbada".

Ao longo de mais de uma hora, ele nos contou um pouco sobre sua trajetória no esporte, falou sobre a redução nas equipes, Peter Sagan, Lance Armstrong e, como não poderia deixar de ser, sobre seu Record da Hora. Confira a seguir o resultado dessa conversa.

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Concept Store Trek, localizada no bairro do Panamby, na cidade de São Paulo

Redução no tamanho das equipes

Atualmente, a grande polêmica do esporte é a redução no número de ciclistas nas equipes, proposta apresentada pelos organizadores das principais competições e, por enquanto, rechaçada pela UCI.

Atualmente, Jens trabalha como relações públicas e no desenvolvimento das bikes da Trek. Porém, depois de completar o Tour de France 17 vezes, poucos são capazes de falar com tanta precisão sobre todos os aspectos que envolvem o esporte - por isso, não perdemos tempo em perguntar o que ele acha da redução do número de atletas.

[citar=left]Ninguém fala em tirar uma roda dos carros de Formula 1 para tornar a corrida mais emocionante[/citar=left] "Não acho que reduzir as equipes ajuda na segurança. Ainda teremos o mesmo número de espectadores, de carros e de motos. No momento temos 20 times com 9 ciclistas. Se tirar um de cada, teremos espaço para mais duas equipes e o mesmo tamanho de pelotão", explicou. "Ninguém fala em tirar uma roda dos carros de Formula 1 para tornar a corrida mais emocionante".

Além disso, o ciclista também não acredita que um atleta a menos seja o suficiente para deixar a corrida mais emocionante. "Hoje, se uma fuga sai, a Sky mantém os escapados com 3 ou 4 minutos de vantagem. Com um ciclista a menos, o time fica mais fraco e vai manter a fuga com 2 minutos. Assim eles tem certeza que vão conseguir buscar os escapados da mesma maneira, então não faz diferença nenhuma", disse.

Segundo ele, para mudar a dinâmica da prova profundamente, as equipes deveriam ter somente 5 atletas - um líder, um velocista e três gregários. "Aí não tem como controlar a corrida". "Porém, isso seria ruim para as equipes. Com o investimento altíssimo, na casa de milhões de Euros, os times querem algumas garantias. Ninguém quer uma loteria", completou.

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Segundo Jens, a melhor solução é mais simples do que parece. "Etapas mais curtas ajudariam. Quatro ou cinco ciclistas conseguem segurar o pelotão por 50, 60 ou até 100km, mas por 200km é impossível. Hoje, pelotão não precisa nem acelerar. Basta manter a velocidade que o grupo da frente vai morrer e ser capturado", afirmou Jens.

Algumas provas realmente estão muito controladas. Há três anos trabalho como comentarista e logo no começo da etapa você já sabe o que vai acontecer



Estrada, terra e Peter Sagan

Nesta temporada, o bi campeão mundial de ciclismo Peter Sagan tentou a sorte na prova de Mountain Bike nas Olimpíadas Rio 2016. Além disso, no feminino, diversas atletas encaram as duas categorias com resultados positivos.

Porém, para Jens, ser competitivo nas duas modalidades não é nada simples. "Se você parar sua carreira na estrada em 2016 e correr de MTB em 2017, talvez no fim do ano você seja competitivo. Porém, terminar o Tour de France e tentar vencer uma prova na terra é impossível", disse.

"O nível é muito alto e a forma física é muito específica. Não da pra simplesmente pular de uma modalidade para a outra - ao menos que você seja o Peter Sagan", brincou.
[citar=right]Da forma que eu vejo, Deus tem uma linha de produção de seres humanos e a cada um milhão de pessoas, ele tira uma e da um beijo. Essas pessoas se tornam Sagan, Beethoven, Einstein[/citar=right]
"Não sou uma pessoa de religião, mas sei que muitos brasileiros são. Da forma que vejo, Deus tem uma linha de produção de seres humanos e a cada um milhão de pessoas, ele tira uma e da um beijo. Essas pessoas se tornam Sagan, Beethoven, Einstein...são gênios que vão se dar bem em qualquer lugar", disse. "Eu acho que nem ele sabe o tanto que ele é bom".

Lance Armstrong e conversas no pelotão

Com provas longas, muitas vezes passando da casa de 6 horas, obviamente os ciclistas conversam bastante dentro do pelotão, e os assuntos são os mais variados. "Eu costumo conversar com meus amigos, que tem todos quase a mesma idade que eu. Falamos sobre as crianças, impostos que pagamos e coisas normais da vida". disse. "Os mais jovens falam sobre os carros que compraram".

Porém, em algumas situações, a conversa tem um fator psicológico importante, que pode até definir o resultado da competição. "Uma vez eu ataquei o Lance Armstrong e consegui deixar-lo 30 segundos para trás, mas lentamente ele recuperou a vantagem", disse.

"Quando ele chegou um mim, tomou um gole de água e elogiou meu ataque, mas falou que ele tinha conseguido se recurar e era melhor relaxar. Depois eu descobri por fotos da ocasião que era um blefe, ele estava no limite, parecendo um morto vivo", brincou Jens. "Se eu pudesse voltar no tempo, teria atacado novamente e teria vencido ele, mas eu era jovem e inexperiente, depois disso aprendi a lição".

"Em um outro mundo, eu poderia ser amigo do Lance, mas não neste. Em duas ocasiões ele me chamou para fazer parte de sua equipe, mas eu sabia que teria que escolher um caminho e que minha carreia nunca mais seria a mesma", disse.

"Por outro lado, depois do meu grave acidente em 2009, tirando minha equipe e minha família, a única pessoa que me mandou uma mensagem de boa recuperação foi o Lance Armstrong. Ele estava disputando a amarela e arrumou tempo para descobrir meu telefone e escrever. Então ele não é 100% ruim nem bom", finalizou.

O acidente que Jens comentou



Record da Hora e aposentadoria

Depois de 33 anos como ciclista profissional, Jens afirma já ter sofrido mais do que o suficiente pelo resto da vida - isso para não falar nas dezenas de pontos, pinos e ossos quebrados em acidentes. Porém, em 2014 e no fim de sua carreira, o alemão enfrentou um dos desafios mais dolorosos do esporte - o Record da Hora.

Se algum dia eu falar em voltar ao ciclismo, pedi para meus filhos me darem um tiro no joelho. E se eu perguntar o motivo, é para atirar no outro



"Quando pensei em fazer o record da hora, imaginei um velódromo vazio, os comissários da UCI e meu pai enchendo os pneus. Porém, a Eurosport apareceu com a proposta de transmitir ao vivo para 70 países e eu percebi que não tinha mais volta", disse dando risada.

Segundo ele, o tempo de preparação permitiu que ele se concentra-se na tarefa, porém certamente não foi um dia fácil na vida do atleta.

"Uma vez em cima da bike, você tem que se concentrar na posição correta para ficar aero e é tudo por instinto, é um record old school. Você não tem acompanhamento de potência e nem de batimento cardíaco. Eu acho que fui muito conservador em minha tentativa. Nunca seria rápido como Wiggins, mas poderia ter dado mais uma volta", explicou.

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[Tomar cerveja, uma das vantagens da aposentadoria/legenda]
Quando perguntado sobre as sensações, Jens foi bastante categórico. "Dói tudo. Os pés, as mãos, o braço.... eu não consegui subir escadas por dois ou três dias. Para vocês terem ideia, se minha bicicleta tivesse quebrado perto do fim, eu não teria tentado de novo."

Jens ainda explicou que a última volta foi recheada de diferentes emoções. Ele estava feliz por terminar e conquistar o record, porém triste em saber que ele nunca mais estaria em tão boa forma.

"Por tantos anos, fui pago para ser imortal, para ser diferente, quase não humano, indestrutível! Agora sou mortal, uma pessoa comum. Eu não sinto falta das corridas, mas sinto de estar em forma, de ser invencível. Assim, a única coisa que eu não gosto da aposentadoria é a sensação de ficar velho e gordo. Mas, isso é ser humano, não? É como as coisas são", comentou.

Como era de se esperar, a grande vantagem de não ser um ciclista profissional é justamente poder ficar com a família, podendo tomar cerveja e comer salgadinhos sem se preocupar em ganhar peso. "Pela primeira vez na vida tenho 15 ou 20% de gordura corporal", comentou.

Conselhos para novatos

Para quem está começando, o experiente ciclista tem três dicas fundamentais. A primeira é ter auto-confiança além da razão e nunca se deixar abater por pessoas que querem te derrubar. "Você é bom, você é grande e vai conseguir", disse.

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Depois, ele alerta sobre os atalhos que podem aparecer. "Atalhos são tentadores, mais uma hora ou outra eles pegam você por trás. Utilizando Highway to Hell e Stairway to Heaven, dois grandes clássicos do Rock, o ciclista explicou que o caminho para o que é errado é grande e tentador, enquanto o que leva para o topo é duro e tortuoso.

Por último, ele recomenda nunca esquecer quem são seus verdadeiros amigos, nunca esquecer de onde você veio e jamais esquecer o que levou você até onde você chegou - trabalho duro e dedicação.

"Se você seguir estes três conselhos, tudo deve ficar bem", finalizou o atleta.


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